terça-feira, 17 de julho de 2018

A primeira locomotiva 100% nacional


Acredito que muito ficam pensando a respeito da capacidade tecnológica deste país, e muitas vezes os pensamentos são levados por lendas de que em um período mais distante, onde não havia tecnologia para nada, onde tudo era “artesanal”, não se podia ter vanguarda e autossuficiência. Tais pensamentos sempre nos levam a crer que tudo que era importado era melhor, e éramos escravos de uma tecnologia que não estava em nossas mãos. Estão enganados!
Pesquisar sobre tecnologia nacional me fascina, e a muito tempo venho juntando muitas informações sobre várias destas joias tecnológicas brasileiras (aqui representadas pelas locomotivas), e neste caminho sempre esbarramos com João Bottene, o “gênio da mecânica”. A seguir, um breve histórico da primeira locomotiva construída com 100% de peças nacionais, todas fabricadas em Piracicaba, interior de São Paulo.
A demanda na produção dos derivados da cana-de-açúcar crescia em um São Paulo que estava rapidamente se industrializando e aumentando sua população.  Bottene, nesta época, trabalhava para os Morganti, donos da Usina Monte Alegre (UMA), em Piracicaba, e da Usina Tamoio, em São Carlos. Era necessário a implementação no parque de tração destas usinas, afim de atender tal demanda. Deste intento, em janeiro de 1938 é inaugurada a nova locomotiva número 1 da UMA (a 1 original era uma 0-4-2 O&K, número de série 725, de 1900), sob projeto e supervisão de Bottene nas oficinas da UMA em Piracicaba, batizada de "Fulvio Morganti".

(acima, diversas fotos da construção da locomotiva nas oficinas da UMA, com seu criados ao seu lado)


Bottene, que foi auxiliado por Renato Henrique Benatti e Ambrozio Aronson. A locomotiva é do tipo 2-6-2ST, toda construída com solda elétrica nas emendas das chapas, incluindo sua caldeira, fabricada em chapas de 1/2” de espessura, feito notável em um momento da tecnologia em que os rebites à quente dominavam. Possui um design aerodinâmico, assinatura particular de Bottene para todos os seus projetos de construção e modificação. Suas rodas de 29” de diâmetro, assim como os cilindros de vapor e todas as peças fundidas foram moldadas e fundidas na própria UMA, e carregam em si a marca padrão do símbolo da empresa. Originalmente possuía chaminé reta, que fora trocada por "balão". 

A locomotiva 1 da UMA terminou sua vida na Estrada de Ferro Perus Pirapora, sob o número 18,sofrendo apenas uma modificação, de encurtamento do seu chassis sob a parte do reservatório de lenha, atrás da cabine, mas curiosamente nunca alteraram seu combustível (a EFPP queimava óleo nas suas fornalhas), mantendo-se a lenha. Passou sua vida em manobras principalmente em Cajamar, juntamente da locomotiva 17. Nos períodos finais do funcionamento comercial da EFPP, chegou, devido a escassez e alto preço do óleo, a tracionar trens de carreira, em tração dupla com a 17, mas foi uma operação que durou muito pouco.
Atualmente, esta sobre salvaguardo do IFPPC (Instituto de Ferrovias e Preservação do Patrimônio Cultural), e aguarda restauro no pátio do Km5 (corredor). Podemos sentir um grande alívio desta verdadeira joia ainda existir, próximo a nós. (veja neste link um pequeno vídeo de seu salvamento)


(acima, diversas imagens da locomotiva 18 na EFPP, ex 1 UMA) 
A história de Bottene é muito curiosa e longa e, como já citado, merece muito estudo e até mesmo uma biografia. É considerado o gênio da mecânica por notáveis feitos, como a invenção do ciclo a álcool para motores a combustão, aproveitando assim a enorme demanda desde combustível nas industrias da região. Mereceria uma biografia este ilustre e brilhante paulista. Entre tantas outras locomotivas que construiu, é possível visitar outro exemplar, exposto na cidade de Guarulhos napraça IV Centenário.
Fica aqui então, este pequeno histórico desta tão importante locomotiva a vapor, e esta pequena homenagem ao Gênio da Mecânica.

(L. Guidini re-escreveu em 17/07/2018)





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