segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Estrada de Ferro Vila Costina


Talvez uma das mais misteriosas ferrovias de fazenda de café seja a Estrada de Ferro Vila Costina. Esta pequena ferrovia partia da estação homônima, do Ramal de Mococa da Cia Mogiana (CM), até atingir a localidade hoje do Município de São Sebastião da Grama, por entre algumas fazendas de café.
A pequena locomotiva do ramal, uma Krauss 0-6-0T de 1913, estacionada próximo a fazenda Vila Costina

Em 1877 José da Costa Machado, um importante político brasileiro do período do Império, que chegou a ser Presidente da Província de Minas Gerais, compra grandes glebas de terras na região de São José do Rio Pardo, e funda a “Fazenda Villa Costina”, local que além da grande produção de café, gerou uma pequena vila, com escolas, postos médicos e até mesmo cinema. Costa Machado também encabeça em 1884 a construção de um ramal ferroviário, o Ramal Férreo do Rio Pardo, ligando a cidade de São José do Rio Pardo aos trilhos da CM na vizinha Casa Branca. Em 1888, a CM compra a ferrovia, e a transforma no Ramal de Mococa.
Porém, não é esta a ferrovia em questão, e sim outra pequena ferrovia, que apenas viria a ser construída pelo seu filho, Labieno da Costa Machado, herdeiro[1] da Fazenda Villa Costina.
Através de financiamentos conseguidos pela “Companhia Comercial Belga” (uma espécie de banco, ativo até os dias de hoje), Labieno compra o material para a construção de uma ferrovia particular, em bitola de 60 centímetros, que partia da estação de Vila Costina da CM, passava pela sede de sua fazenda homônima e atingia o - àquela época - o distrito da Grama, em uma extensão de 21 quilômetros, por entre algumas outras fazendas também de sua propriedade. O Distrito da Grama emancipou-se em 1925 como o Município de São Sebastião da Grama.
Acima:Labieno da Costa Machado. Abaixo: Um dos poucos documentos encontrados das propriedades de Labieno.

Dos poucos dados precisos sobre esta tão misteriosa ferrovia, sabemos com certeza que possuía uma única locomotiva a vapor alemã da marca Krauss[2], tipo 0-6-0T número de série 6756 fabricada em 1913, sete estações ao longo da via férrea que atendiam ao recolhimento do café e o embarque e desembarque de eventuais colonos em transito, estações estas que nada mais eram do que armazéns de carga, com acomodações para funcionários e os eventuais passageiros. Pelo menos dois prédios ainda estão em pé: “Centro”, que ficava aproximadamente a 1/3 da extensão da ferrovia e “Costa Machado”, no ponto final em São Sebastião da Grama. Havia também, pelo menos uma caixa d’água no meio do caminho, alguns metros depois da estação do Centro, não se sabe se era a única caixa d’água, mas possivelmente havia outras.
Consideramos a inauguração da totalidade da ferrovia em 1 de fevereiro de 1916, data em que Labieno envia diversos ofícios para ferrovias, agências, jornais e até mesmo ao famoso “guia levi”, informando os horários de seus trens, e locais atendidos. É possível acreditarmos que a ferrovia foi construída entre 1913 (data da compra dos materiais ferroviários) e 1916, entretanto, no ano de 1929 já não funcionava mais, como nos diz Ralph Giesbrecht “Sud Mennucci, em anotações a lápis em seu próprio livro publicado em agosto de 1929, O vertiginoso Crescimento de São Paulo, cita que a ferrovia havia sido fechada antes da edição de seu livro, em 1929”.
Acima: página do Guia Levi de 1917. Abaixo: A estação de Costa Machado, em São Sebastião da Grama, sem os trilhos, na década de 1980.


Não passava de uma ferrovia particular, com algumas dezenas de vagões de carga para transporte do café, talvez um ou outro carro de passageiros para o uso dos colonos e dos donos e administradores das fazendas que, serpenteando as colinas e vales, transportava o café de uma fazenda a outra, e por fim baldeavam com a CM para a exportação em Santos. Temos que frisar que Labieno e seu irmão, Jordano, fundaram uma casa comissária em Santos, que vendia seu café para outra empresa, também fundada por eles em Milão, a “Costina Coffee Co”. Infelizmente, mais uma vez, nada de muito detalhado destas empresas foi encontrado.
Denis Esteves nos conta Com informações consegui chegar à estação do Centro. O caminho até ela é lindo, uma sequência de pirambeiras morro acima e morro abaixo, passando por dentro de fazendas. Em uma das fazendas pedi informação, mas o dono disse que não sabia nada, apenas tinha ouvido falar desde criança que por ali passava um trem, e me indicou um funcionário mais antigo. Ele me explicou o caminho e disse que iria passar pela "caixa d'água do trem". Isso já me animou. Ele falou que desde pequeno ouvia o pai dele dizer que no tempo do pai dele tinha um trem que passava naquele morro e parava naquela caixa para pegar água. Depois de uma descida, esparramando uma boiada que estava na estradinha, cai bem no antigo leito da ferrovia. Um trecho lindo em curva, com um grande aterro sobre um veio d'água. Depois da curva a caixa d'água encrustada na encosta do morro, no meio das pedras. Toda feita de tijolos, inclusive o tanque, e extremamente pequena, a menor que já vi, e certamente uma das bonitas”.
    Cerca de 300 metros à frente (sentido Villa Costina) estava o Centro, ou "Centrinho", como chamam hoje. É uma antiga colônia, da fazenda, e hoje é um pequeno sítio. Conversei com o proprietário que confirmou ser ali o Centro, e que sabia que ali tinha uma estação, mas nunca viu foto e nem encontrou um prédio parecido com uma estação ali perto. Ele disse que ali nunca teve terreiro para secagem do café, então todo café colhido ali era embarcado na ferrovia e levado para a sede da Villa Costina, aonde ia para o terreiro. Também disse que não chegou a ver os trilhos, mas que já achou muito cravo de linha arando a terra. Acabei não fazendo fotos das construções do Centro, pois achei que eram mais novas que a ferrovia, coisas dos anos 40, mas me enganei. Depois vi uma foto antiga na Biblioteca de São José do Rio Pardo, e de fato as construções são mesmo antigas, da época da ferrovia. Nesse equívoco deixei de fotografar o prédio que muito possivelmente era a estação. Ele é fora do alinhamento das casas, fica na borda do leito da linha, e é um depósito do sítio.O proprietário disse também que um pouco mais a frente, no sentido de Villa Costina, tem um arrimo de pedra e vários cortes da linha, mas não tive como ir até lá por causa do mato.”
Acima: O prédio da estação em 2010, resistindo ao tempo sem uso ferroviário a mais de 80 anos!, abriga um secador de café. Foto de Vera Helena Bressan

Acima e abaixo: Fotos de janeiro de 2019, de Denis Esteves nas proximidades da estação "Centro", uma parte do antigo leito e a resistente caixa d'água, ambos sem uso ferroviário a, pelo menos 80 anos!

Algumas notas do autor: Mesmo após incansáveis pesquisas em todos os veículos de informação possíveis, quase nada foi encontrado, além das informações acima descritas. Fica a duvida das tantas outras possíveis ferrovias particulares que possam ter havido em São Paulo, que nunca chegaram a ser documentadas, e se perderam nas areias do tempo. Fico contente de, pelo menos, conseguir chegar a algumas informações sobre a ferrovia, que tão pouco operou. Labieno e seu pai sem duvidas foram grandes empresários, Infelizmente a documentação existente a respeito de sua história esta inacessível, de modo que as pesquisas continuam. Desta forma, fica aqui registrado o legado desta tão peculiar ferrovia cata-café.

Leandro Guidini escreveu em 10/08/2019, revisão e agradecimentos a Denis Esteves



[1] Na verdade “herdeiro” pode não ser o termo correto, pois ainda não esta claro como ele se tornou dono da fazenda, se foi por adiantamento de herança, por doação, por compra, permuta, etc.
[2] Existe a possibilidade desta locomotiva ser Krauss, porém construída em empreitada pela Orestain & Koppel.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Locomotiva da Mogiana em solo inglês

Trazemos uma excelente noticia, que vem la das terras da Rainha! Esta semana entrou em testes na Brecon Montain Railway, no País de Gales, a locomotiva "Santa Teresa". Mas por que esta locomotiva tem tanta importância para nós?


A locomotiva da foto acima, posando no pátio da Brecon Montain, originalmente pertenceu a Cia Mogiana, aqui no Brasil! Circulava no ramal de Serra Negra, entre as estações de Amparo e Serra Negra, interior de São Paulo.
A pequena locomotiva foi comprada pela CM em 1897, para substituir uma de suas locomotivas revendidas à Estrada de Ferro Funilense. Da marca norte americana Baldwin Locomotives Works, tinha a rodagem 2-6-0 (mogul), número de série 15511 bitola de 60 cm, possuiu os números de estrada, na Mogiana de 27 (1897 - 1914), 1 (1914 - 1915) , 10 (1915 - 1956) e chamava-se "Dr. Carmo Cintra". 

A locomotiva "Dr. Carmo Cintra" na Mogiana

Prestou seus serviços no Ramal de Serra Negra até o fechamento em 1956, quando foi vendida para a usina Santa Teresa, em Pernambuco, e foi rebitolada para 76 cm. No ano de 1976, é vendida para a Ffestiniog Railway, levada para o Reino Unido de contêiner e começam sua restauração e re-rebitolagem para 60 cm novamente. Abandonam o projeto e, apenas em 2002, a Brecon Montain compra deles a maquina, e recomeçam o restauro em suas oficinas.
Em 1990, a mesma maquina na Ffestiniog aguardando restauro

Mais de uma década se passou, e alguns percalços foram superados e, finalmente, nesta ultima semana do começo de junho de 2019, a locomotiva entrou em testes de funcionamento para assumir os trens turísticos da ferrovia.
Dentre as ações na reforma, uma nova caldeira foi inteiramente construída, e a locomotiva foi convertida de "Mogul 2-6-0" para "Praire 2-6-2", sendo batizada de "Santa Teresa", em um impecável acabamento que somente os ingleses sabem dar às suas locomotivas.
Abaixo veremos uma sequência de fotografias, algumas retiradas do facebook da ferrovia, e outras enviadas por amigos. 









Fica aqui nossa homenagem a esta linda maquininha que, diferente de tantas outras, teve um destino mais digno que o corte, mesmo que sendo longe de sua terra natal. A equipe do Vapor Mínimo saúda os amigos da Brecon Montain por este tão importante resgate histórico, e esperamos em breve poder conhece-la pessoalmente.