O ramal de Serra Negra
Tomaremos nota hoje a respeito de
outro curioso ramal ferroviário. Desta vez citaremos a Cia Mogiana e seu
pitoresco ramal de Serra Negra. Como é
sabido, as novas fronteiras agrícolas e a marcha do café na região de Campinas despontaram
em meados do século XIX e, neste cenário, tornava-se natural a eclosão de novas
cidades fundadas pelos descendentes dos desbravadores brasileiros originais
que, frustrados na procura do já escasso ouro, viam futuro adquirindo sesmarias
em locais mais ao sul da região mineradora, e empreendiam nas novas terras, com
benfeitorias e novas atividades agrícolas, fato que culminou no segundo ciclo
do açúcar paulista, e posteriormente deixaria tudo preparado para a referida
chegada do café.
Este é o caso de Serra Negra.
Oficialmente a cidade é fundada em 23 de setembro de 1828, com a autorização
para elevação de uma capela por Lourenço Franco de Oliveira, no entanto, os
primeiros moradores da região foram o casal Valentim da Silva Pinto e
Appolinária Ribeiro, que fixaram residência em 1804, na região que mais tarde
viria a ser o bairro de brumado.
Foi natural a chegada das
ferrovias para estas regiões para o escoamento de tão importante produto, e
para melhoria de acesso a essas novas cidades e suas enormes fazendas. O
primeiro contrato assinado na formação e para a construção da Cia Mogiana (CM) em
1873 possuía uma clausula para a formatação de, além de sua linha tronco, um
ramal partindo da estação de Jaguary (atual Jaguariúna) até o povoamento de
Amparo, chegando com trilhos nesta localidade em 15 de novembro de 1875.
As primeiras concessões
Assim como no ramal descalvadense,
ou mesmo no ramal de Santa Rita do Passa Quatro da Cia Paulista (CP), a chegada
da ferrovia sempre gera expectativa e muita especulação por parte dos
fazendeiros e figurões das regiões preteridas. Muitas vezes, os trilhos não
chegam exatamente até certas localidades, mas como nos explica SAES “são os interesses pessoais que procuram
definir as diretrizes das ferrovias” (Saes,pg 65). Desta forma, pequenas ações para
garantir às propriedades não contempladas por trilhos surgem, na forma de
pequenos ramais agrícolas, tramways ou linhas de bondes, que sempre convergiam
para os troncos principais, e muitas vezes eram comprados ou incorporados pelas
referidas empresas. Estes ramais costumavam ser encabeçados por fazendeiros, ou
empreendedores, que viam nas estradas de ferro fontes de lucro.
A primeira menção a uma linha que
chegasse no município de Serra Negra veio de dois advogados paulistanos,
Brazilio Alvez Correia do Amaral e Nabor Pacheco Jordão, que conseguem
autorização em 27 de março de 1885 para o projeto número 16, onde poderiam
construir uma “linha de bonds” entre Amparo e Serra Negra (OESP, 27/03-1885,
pg2). No entanto, esta iniciativa nunca chegou a ser concluída.
Uma segunda intenção acontece,
porém, desta vez com a assinatura de concessão em forma de lei, sob número 29
de 5 de março de 1887, com privilégio de 50 anos dado ao Coronel João Pedro de
Godoy Moreira para a exploração de uma linha de bondes que, partindo do bairro
da pedreira ou dos coqueiros vá chegar no bairro dos silveiras (ALESP, lei 19de
29/03/1887). João Pedro de Godoy Moreira era o proprietário da “Fazenda
Grande”, empreendedor agrícola que loteou uma de suas fazendas, quais naquela
época pertenciam ao município de Amparo, dando origem a atual cidade de
Pedreira. O citado bairro dos coqueiros, com estação de mesmo nome, é
atualmente o distrito de Arcadas, nome este dado nos anos 50. Não há, também, vestígios que esta linha
tenha saído do papel.
Começa o projeto da Cia Mogiana para atingir Serra Negra
Em assembleia de abril de 1887,
autoriza a CM a construção de ramais convergentes, garantindo sua zona de
privilégio, com deliberação positiva para a construção do ramal para serra
negra em segunda assembleia de outubro de 1887. Este cenário nos faz perceber
uma situação. Possivelmente, João Pedro acorda com a CM para conseguir a
autorização de construção desta linha de bondes e, de maneira comercial, faz a
venda da mesma em troca de ações. Somos levados a acreditar nisso pois, no
contrato de autorização para a construção entre a Província e a CM, esta lei 19
é citada, em nome do referido Coronel, mas não há menção de compra por parte da
CM.
Para a construção deste ramal, a
administração recorre a um aumento de capitais, lançando mão de novas ações,
que totalizaram 1,860:000$000 (um conto e oitocentos e sessenta mil réis),
utilizando-se para este projeto a quantia de 900:000$000 (novecentos mil réis).
No contexto deste momento da
história, temos que deixar claro que a intenção da CM era atingir a zona
produtora do município de Serra Negra, e não necessariamente a sede do mesmo. O
engenheiro chefe, Joaquim Lisbôa, manda proceder dois estudos, um atingindo o
município pelo bairro dos silveiras e outro pelo bairro da Capela, ambos em
bitola de 1 metro (a mesma utilizada correntemente pela CM) e outro em bitola
de 60 centímetros. O relatório de 1888, referente ao segundo semestre de 1887
nos diz:
“ Conforme a vossa autorização foram feitos os estudos para a construcção
dos ramaes – de Mogy-Guassú á Espirito-Santo do Pinhal, - do Amparo á
Serra-Negra, passando pelo bairro das Silveiras, - e do Amparo á Serra-Negra
passando pela Capella.
Verificando-se, pelos accidentes e difficuldades dos terrenos, que o
augmento do capital votado era insufficiente para todas aquellas construcções,
resolvemos levar á effeito desde jáo Ramal Pinhalense e o prolongamento do
Ramal do Amparo até a Capella, na mesma bitola da linha, reduzindo, porém, á de
60 centímetros o ramal que vae ter ao Bairro das Silveiras. Ficam deste modo
satisfeitas as necessidades da lavoura e commercio do município de Serra Negra,
emquanto não se prolonga uma das linhas até á Cidade.” (Relatório CM de
15/04/1888, pg 6).
Como citado, o interesse da CM
era atingir a lavoura do município, e assim o faria por duas linhas. Temos que
explicar que o citado bairro das “silveiras” é a localidade onde se encontrava
uma grande fazenda da região, a fazenda Pantaleão, que originaria o nome de uma
das estações do ramal, que por alguns anos foi ponto final. O citado bairro da
Capela era a localidade que mais tarde daria origem a cidade de Monte Alegre do
Sul, e a referida capela era seu nome primitivo, “Capella do Senhor Bom Jesus de
Monte Alegre”.
Da assinatura com a Província até a construção do primeiro trecho
A assinatura do
contrato entre a CM e o Governo Provincial deu-se em primeiro de março de 1888,
autorizados pelo Presidente da Província, doutor Francisco de Paula Rodrigues
Alvez, e os diretores da CM, doutores João Ataliba Nogueira, Jorge Tibiriça
Piratininga, Antônio Pinheiro de Ulhôa Cintra, Barão de Ibitinga e Zeferino da
Costa Guimarães. Em sua primeira clausula, parágrafo segundo ficava determinado
que não haveriam garantias de juros ou mesmo nenhuma outra ajuda dos cofres
públicos. A linha para Silveiras teria curvas mínimas de 50 metros de raio com
declividade máxima de 3%, em bitola de 60 centímetros. As obras de movimentação
de terras começam logo após a assinatura, com destacamento de duas turmas de
via para tal intento (Relatório CM de 15/04/1888, pg 90). Ficou o projeto a cargo do engenheiro Augusto
Fomm e a obra do empreiteiro Pedro Vaz de Almeida.
As obras
continuaram em ritmo normal, e se encontravam quase prontas no primeiro
semestre de 1889, e já se encontravam disponíveis os materiais para o tráfego.
A intenção da CM, de acordo com seu relatório era proceder a inauguração deste
trecho inicial até novembro de 1889, cogitando-se o prolongamento até a sede do
município, distante 14 quilômetros do ponto final da linha. Neste período, havia
22 dos 26 quilômetros de leito prontos e 6 quilômetros de trilhos assentados,
com as obras das estações adiantadas e o começo a instalação da linha
telegráfica. Para tal, o custo até o momento chegava em 353:494$487, algo
próximo de trezentos e cinquenta e quatro mil réis (Relatório CM de 13/10/1889,
pg 15 e 54).
Em dezembro de
1889 ficam prontas as obras deste primeiro trecho até a estação de Pantaleão
(no Km 16,714), no bairro dos Silveiras, e uma estação intermediária denominada
Alferes Rodrigues (no Km 9,487), procedendo-se a autorização para funcionamento
no dia 13 deste mês, com quadro de horários e passagens aprovados pelo Governo
Provincial (OESP 13/12/1889, pg2).
Do segundo contrato de prolongamento para a
cidade de Serra Negra até o fechamento
Voltaria a CM a
deliberar a respeito de sua expansão até a sede de Serra Negra. Já havia
atingindo seu intento de comunicar a lavoura do município através da
inauguração de sua linha até a estação de pantaleão, em bitola de 60 cm por um
lado, e por outro através da Capela de monte Alegre, em mesma bitola de seu
tronco (1 metro). Mais uma vez, o impasse entre prolongar por um e outro era
discutido, vencendo a primeira opção, por pantaleão, onde, apesar da bitola
reduzida, o terreno sofria menos acidentes. Apesar de Monte Alegre encontrar-se
mais perto, estava no fundo de um vale, dificultando a chegada dos trilhos até
Serra Negra. Mesmo diante de protestos, a CM assina com o Governo Provincial em
4 de fevereiro de 1890 um novo contrato, autorizando a construção do
prolongamento do ramal de Silveiras até a cidade de Serra Negra, nos mesmos
moldesdo contrato anterior, de curvas de raio mínimo de 50 metros, e
declividade máxima de 3%.
“Em virtude de indicação de um de seus
membros, uninimemente approvada, vem este Conselho de Intendencia
representar-vos contra o facto anômalo que se observa relativamente á
construcção do prolongamento do ramal da linha Mogyana desde a estação do
–Brumado- á esta cidade(...) Há dous anos, pouco mais ou menos, que esta
Companhia, pretendendo felicitar este município com a construcção duma estrada
de ferro, ao envez de prolongar a esta cidade a linha denominada –da
Cappelinha-, ou –de Monte Alegre-, que é de bitola igual á linha tronco, e que
dista daqui apenas uma legoa, resolveu fazer-lhe um presente de gregos,
prolongano o ramal de Silveiras desde a Estação –Brumado-, que é de bitola
muito mais estreita (...) demandou um desenvolvimento extraordinariamente
grande, 40 kilometros (...)” (Correio paulistano, 28/01/1892,pg2).
As obras prosseguem e, em 26 de
agosto de 1890 inaugura-se a estação de Brumado, distante 8 quilômetros de
Pantaleão, servindo como ponta de linha por algum tempo, até o prolongamento definitivo
a sede do município. A linha até Serra Negra sofre com atrasos diversos por
conta de falta de dormentes nos três quilômetros finais da linha. Também
encontrava-se atrasada no porto de Santos a entrega do material rodante
comprado para complementar o tráfego no ramal (três locomotivas, três carros de
passageiros e vinte vagões), auxiliando as insuficientes duas locomotivas
inglesas que serviam à linha (Relatório CM de 25/10/1891, pg75).
Finalmente, em 28 de março de
1892 é inaugurado o trecho até a estação final de Serra Negra, com 15
quilômetros de extensão além de Brumado totalizando alinha com 40,103 Kms, e
uma estação intermediária, de Santo Aleixo no Km 30,603 (OESP, 27/03/1892,
pg2).
Mesmo com o ramal em
funcionamento, não faltaram descontentamentos por parte dos passageiros,
reclamando de péssimas acomodações, mal tratamento com as cargas,
principalmente na época de safra, e atrasos constantes dos trens, como podemos
ver em “... Até esta data, o Ramal de
Silveiras só tem duas machinas, ambas péssimas, sempre em concerto, resultando
disso frequentes interrupções no transito. As pequenas estações estão sempre
atravancadas de cargas. Por estes e outros desmanzelos, tanto soffre a lavoura e
o commercio. (...) Pedimos ao dr. Presidente do Estado sua preciosa
intervenção, para que a Companhia Mogyana faça nova linha para Serra Negra, ou
desista da zona, afim de outra empreza servir melhor o publico... “
(Correio paulistano, 21/09/1892, pg2).
A resposta da CM para tal nunca
apareceu de fato. Apenas intervenções nos prédios e material rodante, como
modernizações e aumentos de armazéns, e a instalação de uma nova oficina para o material da bitolinha na cidade de
Amparo. Novas locomotivas foram compradas em substituição as antigas e
desgastadas locomotivas originais, e aparelhamento dos carros e vagões.
A cultura do café entra em crise
nos anos 40, condenando estes pequenos ramais, deficitários, por toda a malha
da ferrovia paulista. Finalmente, com o Decreto n. 25.350-A de 12/01/1956,
ficava autorizada a CM a erradicação do ramal de Serra Negra. Talvez por
desgosto com os anos de serviços não tão agradáveis prestados a cidade, curiosamente
foi o único prédio a ser demolido pouco tempo depois de seu fechamento. Serra
Negra, hoje Estância Hidro Mineral, esta inclusa no circuito das águas
paulistas. Ao visitar a cidade, pouco ou nada se tem de referência a ferrovia
que por ali existiu, nem mesmo o romantismo que um dia ela possa ter causado
nos passageiros que dela se utilizaram. Das outras estações do ramal, os mais
diversos usos foram dados, como estações de ônibus, centros culturais, ou mesmo
moradias, mas seguem, seculares, e em pé ainda. Este foi o fim de mais um dos
tantos ramais “cata-café” que a ferrovia paulista teve.
Material rodante e de tração
Os primeiros equipamentos
ferroviários destinados ao Ramal de Silveiras constavam de duas locomotivas
inglesas, da marca Sharp Stewart, que foram originalmente numeradas como 26 e
27. Tratavam-se de pequenas locomotivas 2-4-2T, de números de série 3484 e
3485, respectivamente, construídas em 1888. Os primeiros dois carros de
passageiros foram construídos no mesmo ano nas oficinas de campinas, e poucos
vagões de cargas foram adaptados ao uso.
Estas primeiras locomotivas
tornaram-se obsoletas ao tráfego em pouco tempo, sendo encomendada mais uma
idêntica a suas irmãs em 1891, sob número de série 3692, numerada como 40. Esta
locomotiva recebeu o nome “Serra Negra”. Em decorrência da deficiência de
potência observada nessas locomotivas, desta vez encomendam mais duas com
modificações para aumentar seu esforço de tração. Vieram com os tanques de água
mais compridos, e chegaram em 1892, sob números de série 3762 e 3763 e
numeradas como 70 e 71. A locomotiva 71 recebeu o nome “Brumado”. Junto dessas locomotivas, outros 3 carros de
passageiros e 20 vagões de cargas foram encomendados a firma norte-americana
Jackson & Sharp Co.
Em 1897, é feito uma permuta com
a Estrada de Ferro Funilense, e a locomotiva número 27 é repassada a eles, em
contrapartida, encomenda-se outra locomotiva em substituição a empresa
norte-americana Baldwin Locomotives Works (BLW), maior e mais potente. Uma
2-6-0, sob número de série 15511, que recebe o mesmo número 27. A locomotiva
recebe o nome “Dr. Carmo Cintra”, e possuía um pequeno tender de dois eixos.
Mais tarde, com o fim dos serviços da bitolinha da CM, esta locomotiva foi
vendida para uma usina em Pernambuco, quando em 1976 é comprada pela Ffestiniog
Railway (primeira ferrovia em bitola de 60 cm no mundo, que vive da atividade
turística até os dias de hoje), e revendida em 2002 para a Brecon Montain
Railway, onde encontra-se atualmente em restauro para integrar a frota de seustrens turísticos.
Em 1900, novamente outra
locomotiva é cedida para a Funilense, desta vez a número 26, que após alguns
anos em uso, termina sua vida na frota da Usina Esther, em Cosmópolis, onde se
encontra em um pedestal, preservada, dentro da Usina. Sua irmã também serve de
monumento, não com a mesma sorte, e uma praça da cidade de Cosmópolis. Para a
substituição desta, mais uma vez a CM encomenda a BLW uma locomotiva do tipo
mogul, 2-6-0, com número de série 12474. Esta maquina terminou sua vida no
Tramway da Cantareira, quando foi vendida em 1915.
Em 1913, as ultimas aquisições
para o ramal de Serra Negra são efetuadas, também junto a BLW. Outras duas
moguls, 2-6-0 são compradas, sob números de série 38300 e 38301. Eram as mais
fortes e mais modernas locomotivas do ramal, tiveram os números 174 e 175 (posteriormente
renumeradas para 8 e 9). Juntamente com a primeira locomotiva 2-6-0, foram
vendidas para a mesma usina Santa Teresa de Goiania, em Pernambuco.
A CM possuía outras locomotivas,
menores, que, no entanto, são provenientes da compra do Ramal de Cravinhos, em
1910, assim como outros carros e vagões de carga. Para este ramal, também
procedeu a CM a compra de outras locomotivas.
Já sobre os carros e vagões, não
se tem uma definição de destino, prevemos que foram todos demolidos algum tempo
depois do fechamento dos ramais.
L. Guidini escreveu em
28/04/2017
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