sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O bonde a burros de Santa Veridiana

Este pequeno tramway, concebido pela família Prado, embora pareça inofensivo, foi o causador de uma discórdia que duraria pelo menos 15 anos, dentro de uma gigantesca briga de interesses com duas das maiores ferrovias paulistas, a Paulista (CP) e a Mogiana (CM), tudo isso pela criação do mítico ramal de Santa Veridiana, e das tentativas da chegada ao Eldorado do café paulista, a região de São Simão.
A composição da CP estacionada na plataforma de Santa Veridiana, com o bonde a burros ao seu lado - Acervo Ralph Giesbrecht

Desde 1892 haviam estudos por parte da CP para uma ligação física entre as estações de Santa Veridiana, na CP, e de Lage, na CM, mas nada foi, de fato, construído por nenhuma das estradas. Pivô de mais um dos tantos conflitos desta mítica linha, por melhor conveniência do serviço, no ano de 1898 a família Prado constrói, dentro de sua fazenda, uma linha em bitola de 60 cm para bondes tracionados a burro, fazendo a ligação física entre as estações citadas, inaugurado no dia 21/09/1898. 
A linha, com pouco mais de 800 metros de extensão, atravessava o pasto da fazenda e embrenhava-se por entre o cafezal até chegar na linha da CM. Esta linha gerava uma enorme facilidade para que passageiros e cargas baldeassem entre as ferrovias, tanto para passageiros vindos pela CP para a região da CM, principalmente a Ribeirão Preto, e vice-versa. Este intento levantou a ira da CM, que publica no jornal O Estado de São Paulo em sua edição de 24/09/1898 a seguinte nota: 
"A administração da companhia Mogyana annunciou nos jornaes da manhan que, a partir do dia 25 do corrente fica supprimida a estação da Lage no kilometro 195 de sua linha, data em que se inaugura ao tráfego as estações do e , situadas nas proximidades daquela". 

A noticia cai como uma afronta, e diversas notas são emitidas e enviadas ao governo, afim de coibir tal ação, julgando estas serem desrespeitosas aos termos do contrato estabelecido. Dentre alegações, dizia-se ser totalmente prejudicial tanto a cargas quanto passageiros - estes que teriam que utilizar-se de dois dias para a viagem entre as zonas paulista e mogiana, caso optem por fazer a viagem via ramal de Santa Veridiana, e não mais um dia como de costume - caso a estação fosse suprimida.
O conflito se estendeu até a decisão governamental de não autorizar o fechamento de Lage, que teve de ser feito até dia 30/10/1898, e ainda solicitava o fechamento das duas outras estações, abertas ainda sem autorização. Entretanto, no mesmo oficio, ficava proibido o tráfego público da linha de bondes, por ter sido considerada linha de concessão estadual de acordo com a lei número 30 de 13/06/1892, e somente poderia ser retomada com a regularização.
O esquema de linhas entre Sta Veridiana, Lage e a futura Baldeação, vendo-se o mapa do tramway ao centro do desenho
Estação de Baldeação

A influência dos Prado na política publica tornou rápida a autorização para o funcionamento, retomado em 30/10/1898, apenas 7 dias após a intervenção governamental nas decisões.
quanto a lage, para amargor da CM, teve de ficar funcionando até seu fechamento em 1/12/1932, quando não se justificava mais seu uso devido a enorme proximidade com a estação de Baldeação. 
Baldeação foi uma estação criada para acabar definitivamente com o grande conflito entre as ferrovias. Nesta época, Percival Farquar já estava por trás do controle acionário das grandes ferrovias brasileiras, e através do acordo de 15/07/1911 entre CP e CM, finalmente um sub ramal é construído ligando as duas ferrovias. Acreditamos que o serviço dos bondes a burro tenham cessado nesta época, quando não mais se justificavam. 
(Leandro Guidini escreveu em 08/2018, adaptou o texto em 31/01/2020) 

3 comentários:

  1. Meu caro Guidini:
    Muito interessante vosso artigo. Grato pela publicação do mesmo!
    Tex

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  2. Seu Leandro, boa tarde, chamo-me Bernardo Baethgen e sou apaixonado por trens, especialmente pelas linhas de bitola métrica e de 2 pés. Seu blog é interessantíssimo! Sugiro uma postagem sobre as linhas canavieiras no nordeste. Abraços! Bernardo

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