Para conhecermos a história da Estrada de Ferro São Paulo –
Minas (SPM) temos que voltar um pouco no passado e comentar sobre a primeira
iniciativa ferroviária própria do município de São Simão, que somente então
daria origem a esta interessante ferrovia, depois de longos períodos de uma
história cheia de fases e curiosos desfechos.
Faz-se importante ressaltar neste ponto as constantes brigas
judiciais entre as grandes ferrovias paulistas, elencadas aqui através da Cia
Paulista (CP) e a Cia Mogiana (CM). Desde a perda de concessão para chegar até
a região de Ribeirão Preto, colocava-se a CP (por intermédio de seus
acionistas) em todas as iniciativas de construções de ramais ferroviários,
estradas e navegações, a fim de, de uma maneira ou de outra, drenar as cargas
de suas concorrentes e defender seus interesses econômicos. Surgem iniciativas
como os ramais descalvadense e de Santa Rita, surge a navegação fluvial, surge
o ramal de Santa Veridiana e, aproveitando
chegada de uma importante família em São Simão, mais uma manobra é
efetuada pelos acionistas da CP. Radicam-se em São Simão (conhecida como a
Eldorado do café, a cidade mais importante do oeste paulista até então) os
Fairbanks, vindos da Bahia.
Estação de Serrinha, da SPM - acervo Leandro Guidini
O surgimento da Cia
Melhoramentos de São Simão
Trazemos á história dois irmãos, João e Jorge Cesimbra
Fairbanks. João era presidente da Câmara Municipal (Intendência) de São Simão
naquela época, e Jorge um importante médico. Progressistas, através de reuniões
com alguns acionistas da CP (aqui representado por Dr, Souza Queiroz, com 1180
ações das 5 mil totais da empresa, tornando-o o maior acionista da empresa),
são convencidos e ludibriados a criarem uma empresa que trouxesse melhorias
para a cidade, incluindo a construção de um ramal ferroviário agrícola, para
ligar as diversas fazendas da região aos trilhos da CM.
Dois foram os pedidos de formação desta empresa apresentados
para a Intendência, um assinado por Joaquim Simões da Cruz, e outro por Jorge
Fairbanks. Em 22 de novembro de 1890, era lido e aceito o pedido de Fairbanks,
que contemplava, entre outros, a construção de um “transporte a vapor” partindo
de São Simão que vá até o rio pardo passando pela freguesia de Serra Azul, de
um lado, e de outro que vá até a fazenda Jatahy, hoje o município de Luiz Antônio
(com facilidade de conexão diretamente com o ramal de Santa Rita do Passa
Quatro, em mesma bitola, também autorizado em zona privilegiada da CP). Com o
apoio total da Câmara Municipal, escolhem Jorge Fairbanks para gerente (e possível
testa de ferro), e junto de fazendeiros,
como José Azevedo Guido Louzada, Leal Costa, Felinto Antônio Fernandes, José
Fernandes Lapa, Joaquim Ignácio e Carlos Gonzaga, assinam em 29 de novembro de
1890 o contrato para a incorporação da “Cia Melhoramentos de São Simão” (CMSS),
autorizando a construção de “uma estrada de ferro com bitola de 0,60 cm,
ficando estipulado o prazo de 3 anos para sua construção”.
Finalmente em 12 de fevereiro de 1891, no salão do Banco
União, em São Paulo, foi realizada a primeira assembleia de acionistas, com 24
deles presentes, representando 2/3 do capital da empresa, aprovando os
estatutos e a diretoria. Estava definitivamente formada a CMSS.
Fairbanks foi importante nesse processo, pois era dele o
privilégio da concessão para tal empresa, cedendo-o gratuitamente para a CMSS,
sendo posteriormente denominado gerente em mesma assembleia. Em 22 de junho de
1891 são aprovadas as plantas do traçado pela Intendência, nomeando Adolpho
Lindemberg como engenheiro chefe, ficando a obra à cargo do empreiteiro Pedro
Vaz de Almeida, possuidor de 100 ações.
O primeiro grande impasse aparece no momento em que mostra
interesse a CM em construir um ramal ferroviário que, partindo da estação de
São Simão, também vá à fazenda Jatahy e sua vila. Com a autorização assinada em
17 de setembro de 1891, a CM forma um corpo de engenheiros para os estudos do
traçado a fim de obter a necessária aprovação do Governo Provincial. Este corpo de engenheiros é recebido de
maneira hostil por moradores e representantes de São Simão, alegando que a
construção deste ramal feria a concessão municipal já efetuada para a CMSS. Uma
representação contra a CMSS foi apresentada pela CM, alegando que a concessão
municipal feria as clausulas contratuais da CM feitas com a Província. Apenas
em 1892 que essa primeira situação se resolve, com o Governo Provincial
alterando a diretriz da CMSS, privilegiando os interesses da CM para Jatahy,
duro golpe para as possíveis intenções dos acionistas da CP dentro da CMSS.
Em 16 de agosto de 1893, através da lei municipal número 4
foi autorizado e aberto o tráfego provisório entre a estação da CMSS (onde hoje
atualmente é a santa casa de misericórdia) e o quilômetro 13, em propriedade da
fazenda Santa Clara, e também o funcionamento de um pequeno trecho de aproximadamente
2 kms de extensão, ligando a estação da CMSS até a estação da CM, autorizado a
ser cobrado o valor de 200 réis de passagem.
Neste cenário, Pedro Vaz tem seu contrato rescendido por não
atender às ordens da diretoria. Em resposta, Vaz entra com representação contra
a empresa, alegando sua nulidade jurídica, demonstrando que nem todos os
acionistas haviam assinado os estatutos (incluindo o próprio!), o que
caracterizava a ilegalidade. O juiz de direito de São Simão da ganho de causa a
Vaz, declarando em 18 de outubro de 1898 nula a CMSS. Esta sentença é recorrida
através do Tribunal de Contas em São Paulo pela diretoria.
Enquanto era aguardada a sentença definitiva do tribunal, a
construção da ferrovia continuava. Possuía neste momento a CMSS duas
locomotivas a vapor compradas da empresa norte-americana Baldwin Locomotives
Works, 4 carros de passageiros e alguns vagões de carga. Em 15 de outubro de
1893, eram autorizados o tráfego de mais 4 kms, e em 15 de janeiro de 1894,
inaugura-se o trecho entre o km 17 e a
fazenda Santa Maria, no quilômetro 23.
Porém, em 20 de janeiro de 1894, é deferido o pedido de
nulidade da CMSS, decretando sua dissolução em acordo com a diretoria, e o
tráfego da estrada é suspenso. É decretado apenas em 25 de outubro de 1895 o
próprio Fairbanks e a Cia Mechanica e Importadora como síndicos da liquidação
da extinta CMSS. O Juiz de Direito, em acordo com Tribunal de SP decreta em 14
de fevereiro de 1896 a liquidação total da CMSS, lavrando-se escritura de posse
dos síndicos em 20 de janeiro de 1897. O espólio da extinta CMSS é comprado em
leilão por cidadãos de São Simão em 04 de setembro de 1897. Novas conversas
surgem entre esses novos donos do espólio e Fairbanks como incorporador. Mais
uma vez estava Fairbanks no embrião de uma nova empreitada.
A segunda empresa
ferroviária de Fairbanks e a mudança de traçado
Apesar de Jorge Fairbanks ter entrado sem grande experiência
na atividade ferroviária, toma entendimento da grande oportunidade de lucrar
com a ferrovia e forma nova empresa com este novo grupo de acionistas, criando
a “Companhia Viação Férrea de São Simão” (CVFSS) em nova assembleia realizada
em 30 de outubro de 1897.
Eleito diretor desta nova empresa, reabre o tráfego e da continuidade
as obras para Serra Azul, inaugurando a estação na fazenda Santa Maria em 16 de
janeiro de 1898.
Por dificuldades financeiras na CVFSS (sem os grandes
investimentos dos grandes acionistas da CP) reforça o capital da nova empresa
com empréstimo de 45 contos de réis cedido por Henrique Dumont em 18 de outubro
de 1898, com garantia de três anos em hipoteca de todos os investimentos
executados naquela ferrovia. Em 1901, a hipoteca vence e Henrique Dumont propõe
ação para cobrança da dívida, sendo comprada em 8 de junho de 1901 por Dr.
Júlio Bandeira Vilella pelo valor de aproximadamente 36 contos.
Fairbanks associa-se à sua esposa, Dona Leonor Cavalcanti
Fairbanks, e adquire de Bandeira o total de ações da CVFSS pelo valor de 146
contos de réis, tornando-se o único dono da CVFSS e todo o seu patrimônio,
pagos em prestações durante 5 anos. Neste momento a ferrovia possuía 42
quilômetros de extensão. Este é o momento que a CVFSS deixa de existir, surgia
a “Estrada de Ferro São Simão” (EFSS).
Após a mudança da razão social da empresa, o próximo passo
de Fairbanks é analisar seu traçado, sinuoso com fortes rampas que contornavam
toda a serra de São Simão, decidindo por abandonar os primeiros 23 quilômetros
de linha entre o município e a estação de Santa Maria em janeiro de 1902.
Em 14 de maio daquele ano pede empréstimo novamente ao seu
credor, Henrique Dumont, para dar prosseguimento à empreitada, arrancando
totalmente os trilhos entre a estação central na cidade até a estação de Santa
Maria, para reconstruir a via desta ultima estação até o ponto mais conveniente
diretamente nos trilhos da CM em seu Km 264, sem a necessidade de se utilizar a
dita extensão operacional entre a estação central e a da CM, onde a própria CM
inaugura a nova estação de “Bento Quirino”, naquele ano no local onde estava
previsto o entroncamento com a nova ferrovia. A ferrovia passaria por novas
propriedades como a fazenda Aretusina, e a fazenda Restinga, de propriedade de
Álvaro Pompeo, que cede terras para que Fairbanks construa ali os escritórios
de sua nova ferrovia, bem como toda a infraestrutura de oficinas para a
manutenção.
Em abril de 1905, Fairbanks pede a rescisão do contrato de
1890. O requerimento é dado em 4 de abril deste ano, e em 13 de setembro
consegue concessão com o Governo do Estado através da lei número 1316, afim de
que a estrada continue seguindo até as raias de Minas Gerais.
Surge a Estrada de
Ferro São Paulo e Minas
Jorge Fairbanks tinha grandes planos para sua pequena
estrada de ferro, mas não possuía dinheiro. Planeja formar nova empresa, desta
vez, associada a banqueiros ingleses, e em prospecto apresentado ao The London
& River Plate Bank Ltd, atrai a atenção dos investidores, incorporando com
os banqueiros Edward W. Wysard, Henry White, James Martins Stuart (que assume
conjuntamente com Jorge a gestão da empresa). Emitem 15 mil ações no valor de
200 reis cada em novembro de 1906. Estava formada a “Companhia Estrada de Ferro
São Paulo e Minas”(CEFSPM).
A administração
inglesa
Fairbanks tem que mudar de cidade, para cuidar de sua mulher
em São Paulo, vendendo sua parte para os sócios ingleses. James Stuart passa a
ser o único gestor da ferrovia, incorporando uma nova empresa denominada “The
São Paulo and Minas Railway Company” (TSPM), buscando em parceria Franco-Belga
o capital necessário para adquirir toda a empresa pelo valor de 1.034:698$000
(um mil, trinta e quatro contos e seiscentos e noventa e oito reis).
Em 1905, inaugura-se o trecho entre Santa Maria e Serra
Azul, em 1907 entre esta ultima e Serrinha, que posteriormente altera o nome
para Ipaúna. Em 1909, inaugura-se a estação de “Mato Grosso de Batataes”, que
viria a tornar-se o município de Altinópolis. Em 24 de junho de 1908, o Coronel
Pimenta de Padua assina contrato de concessão com o município de São Sebastião
do Paraíso, em MG, para a criação de uma ferrovia que começando naquele
município fosse terminar nas raias do Estado de São Paulo. Esta concessão
torna-se efetiva em 6 de setembro do mesmo ano, quando o Coronel transfere para
James Stuart os direitos da ferrovia, com aprovação pela Câmara Municipal pela
lei número 96 de 31 de janeiro de 1911. Finalmente, em 15 de maio de 1911 é
inaugurada a estação terminal de São Sebastião do Paraíso. Possuía nesse
momento 137 quilômetros de extensão, toda em bitola de 60 centímetros.
Desde o ano de 1914, quando a CM inaugura em São Sebastião
uma estação homônima, do seu ramal de passos, a TSPM começa a sentir um
enfraquecimento no transporte de café, principal produto escoado. Este é o
momento que a TSPM começa a perder sua característica como ferrovia
“cata-café”.
Historicamente não era confortável a situação financeira da
TSPM, com todos os contratempos desde sua fundação, seguia sem grandes lucros,
com a arrecadação dando para o custeio. Em fins dos anos de 1910, começo de
1920, investidores fundam a “Companhia Eletro-Metalúrgica Brasileira”, em
Ribeirão Preto, aproveitando o potencial ocioso das hidroelétricas da região
para a fabricação de ferro gusa. Todo O minério vinha da localidade denominada
“morro do ferro”, em Jacuí – MG. Surge o interesse da Eletro-Metalúrgica em
custear um ramal da sua fabrica até a linha da TSPM, na estação de serrinha,
para que esta pudesse ter ligação ferroviária com São Sebastião, encurtando e
facilitando o transporte de seu minério.
Da compra pela
Eletro-Metalúrgica até o alargamento da bitola
Em escritura lavrada em 14 de setembro de 1922, a
Eletro-Metalúrgica compra a TSPM pelo valor de 100 mil libras esterlinas, dando
como hipoteca à vendedora a empresa de força e luz de Ribeirão Preto, de sua
propriedade. Por escritura de 30 de abril de 1926, a TSPM deu quitação á
Eletro-Metalúrgica, e esta no dia seguinte contrai com o Governo de São Paulo
um empréstimo de 8.000:000$000 (oito mil contos de réis), com uma parte
destinada para a construção do ramal de Ribeirão Preto a serrinha, outra parte
para saldar dividas da TSPM, e outra parte para adquirir novos materiais
rodantes especiais para o transporte de minério e melhoramentos da, finalmente,
“Estrada de Ferro São Paulo e Minas” (SPM). É neste momento que são
encomendadas à firma alemã Henschel as duas maiores locomotivas a vapor da
bitola de 60 cm do país. Eram duas locomotivas do tipo “montain” com rodagem
4-8-2, que, no período do alargamento da bitola, também foram alargadas para
continuar prestando serviços na SPM.
A situação da SPM continuava ruim. A nova diretoria da
empresa não conseguia saldar suas dividas com o Estado e nem com a importadora
que trouxe os novos equipamentos e materiais rodantes. Os salários dos
funcionários estavam atrasados e, em 29 de abril de 1929 devido a uma greve era
paralisado o tráfego na SPM. A firma importadora “Theodore & Wille” pede
pela falência da empresa, que é decretada em 9 de dezembro do mesmo ano.
Em 3 de setembro de 1930, o Tribunal de Justiça de São Paulo
autoriza que o Estado intervenha na SPM e pede pelo reestabelecimento do
tráfego da ferrovia. Somente em 10 de maio de 1931 que começa a ser
reestabelecido o tráfego, primeiramente entre Bento Quirino e Serra Azul, 6 de
agosto entre esta e serrinha, 21 de agosto entre esta e Altinópolis, 5 de
dezembro entre esta e a fronteira com MG. Dali para frente perdia-se a
jurisdição do Estado e os trabalhos não foram concluídos até São Sebastião do
Paraíso. O ramal de Ribeirão Preto foi julgado antieconômico, e também não
sofreu reestabelecimento.
Em 4 de abril de 1933, o Juízo Federal adjudicou a SPM ao
Estado de SP, efetivando a ação em carta adjudicatória em 8 de maio de 1935.
Somente desta forma autorizou o Estado a abertura de tráfego novamente até São
Sebastião do Paraíso. Nesta época é nomeado diretor da SPM o sr Homero Benedito
Otoni, que, através de estudos, entende por melhor o alargamento da bitola de
60 centímetros para 1 metro. Este serviço é autorizado pela Secretaria de
Viação, tendo início em 8 de maio de 1940, terminado em 28 de setembro do mesmo
ano. Nesta mesma autorização, fica concedido material rodante, truques e o
alargamento das duas locomotivas mais novas da SPM pelas outras ferrovias de
administração do Estado. Entre os meses de junho de 1942 e junho de 1944 foi
reestabelecido o ramal de Ribeirão Preto. Com a retificação do tronco da CM em
1968, todo o trecho entre Bento Quirino e Serrinha também foi desativado,
permanecendo aberto ao tráfego somente o ramal de Ribeirão Preto e a linha
tronco entre Serrinha e São Sebastião do Paraíso. Nesta época a SPM já estava
sob administração da CM. Em 1971, este trecho foi incorporado à FEPASA,
tornando a SPM uma das 5 ferrovias paulistas a forma-la. Em 1976 trens de
passageiros pararam de circular, e nos anos 90 o tráfego foi suspenso.
Atualmente, toda a extensão segue em pleno abandono.
L. Guidini – 16/08/2016
Leandro parabéns pelo post!!! maravilhoso.... veja no meu blog tem uma foto rara de uma loco de 60 cm ...sem mais um abraço
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