Trataremos
de contar a história de um outro importante ramal agrícola, o famoso
"Ramal de Santa Rita do Passa Quatro", que, nos mesmos moldes da Cia
Descalvadense, e até mesmo da navegação fluvial, vinha para ajudar a Cia
Paulista na sua difícil situação econômica em fins do século XIX. Utilizou-se,
mais uma vez, da astúcia e da influência de seus poderosos acionistas para a
criação de empresas e ramais que a ela convergissem, drenando cargas de suas
concorrentes diretas (neste contexto a Cia Mogiana, e também a Rio Clarense).
Já
havia conseguido a Paulista afrontar a Rio Clarense pela linha do ramal descalvadense, e começava as vias da mesma situação com a Mogiana
pelo leito do rio Mogy-Guassú. No entanto, isso ainda era pouco para a jovem
Paulista. Queria ela estar na outra margem do rio e, após assembleia geral de
acionistas da Cia Paulista (CP) em setembro de 1888, ficou decidido o
favorecimento da construção de uma estrada de ferro agrícola que, partindo da
estação de Porto Ferreira atingisse a vila de Santa Rita do Passa Quatro.
"Tambem á Camara Municipal de
Santa Rita do Passa Quatro, que officiou pedindo-nos o prolongamento da nossa
estrada até áquella villa, declarou a Directoria estar disposta a conceder
iguaes favores em beneficio de qualquer empresa que se propuzer executar esta
obra, a qual, para garantia do seu proprio sucesso, convém que seja levada a
effeito pelo typo da Descalvadense" (Relatório Cia
Paulista, 30/09/1888, pag 13).
A
Cia Ramal Férreo de Santa Rita
Formou-se,
então, em 23 de dezembro de 1888, na vila de Santa Rita do Passa Quatro uma
companhia agrícola denominada "Cia Ramal Férreo de Santa Rita"
(RFSR), de diretoria formada por Coronel Delphino Martins de Siqueira, Tenente
Coronel Bento José de Carvalho, Doutor Carlos Paes de Barros e José Vieira,
qual partiria da cidade de Porto Ferreira na linha Paulista até a vila de Santa
Rita do Passa Quatro. A escritura entre o RFSR com a Cia Paulista de
Estradas de Ferro, foi lavrada no 2º Tabelião de São Paulo em 8 de janeiro de
1889. Tal escritura assegurava o direito de passagem dentro de sua zona de
privilégio e dava fé no acordo estabelecido em assembleia geral.
Logo
a Cia Mogiana (CM) teve conhecimento se tal empreendimento, reportou-se ao
Governo Provincial e à CP, alegando a vila de Santa Rita estar dentro de sua
zona privilegiada próxima a linha de Casa Branca, com direção a Ribeirão Preto
e São Simão. A CM em oficio enviado ao Governo Provincial de 22 de fevereiro de
1889 demonstra sua indignação sobre a ousadia da CP em concessionar um ramal
fora de sua área de privilégios, entretanto alega que tal ramal teria pouco
impacto em sua linha tronco. “...a
Companhia Paulista não podia fazer cessão de direitos constantes da escriptura
annexa ao requerimento pela razão de lhe não pertencer a zona que foi objecto
do contracto, que não poderia ignorar desde que ella Companhia Mogyana se
aprovasse; e, mais, reconhecendo, porém, que o ramal de Santa Ritta de Passa
Quatro não prejudica seus interesses d’ella Mogyana...”(oficio de
22/02/1889. Arquivo Publico de São Paulo, caixa 5611).
Em
27 de março de 1889 são firmadas as bases contratuais entre o RFSR, CP e o
Governo Provincial, com apoio da CM, desde que duas clausulas em favor da
CM fossem levadas em consideração, onde a CM poderia construir uma linha
convergindo para a vila de Santa Rita, e que não pudessem ser construídos
ramais saindo da linha de Santa Rita. O contrato de construção foi seguido a
exemplo do contrato feito com a já formada e em operação Cia Descalvadense de Ferro Via Agrícola,
onde os materiais seriam transportados apenas pelo preço de custo, ficando o
engenheiro inspetor geral por conta da Paulista, por determinação do Governo.
Estas bases, na realidade, foram as mesmas utilizadas para a construção do ramal do Mogy-Guassú,
com algumas retificações, como por exemplo, o raio mínimo de curva de 40 metros
e bitola de 60 centímetros. A apresentação dos projetos para o Governo
Provincial deveria ser feita em prazo de 6 meses e, após aprovação, haveriam 14
meses para implantação da ferrovia.
Começa
a operar, em caráter provisório em 19 de agosto de 1890, com diversas obras
ainda inacabadas ao longo de sua linha "Vão
muito adiantados os trabalhos do ramal férreo de Santa Rita. A estação de Santa
Rita do Passa Quatro ja esta quasi prompta e espera-se inaugural-a em Maio.
Consta que ja começou o assentamento dos trilhos em Porto Ferreira, onde
principia o leito da estrada." (OESP, 28/02/1890, pag 1).
Possuía
27 quilômetros de extensão, construída em trilhos de 12Kg/m (TR12), Com uma
estação em Santa Rita do Passa Quatro, em edifício com 6 cômodos em alvenaria;
um girador de locomotivas marca "Rapier" em Porto Ferreira, bem como
depósito para carros de passageiros e locomotivas, e um triângulo de reversão
em Santa Rita; duas caixas d'água; 20 km de linhas telegráficas com postes de
trilhos; 2 locomotivas marca Baldwin do tipo 2-6-0 com tender; um carro de
primeira classe, dois carros de segunda e um para correio e bagagens, da marca
Jackson and Sharp; 7 vagões de carga e mais 6 quilômetros de trilhos de reserva
para manutenção da linha.
Operou
com algum lucro em seus 7 meses iniciais antes de ser comprada, saindo com
a marca de aproximadamente 9 contos de réis positivos nesse período. Isso
animou a CP em deliberar a favor da compra desta companhia. "Na situação em que se acha a
Companhia Paulista, obrigada a garantir por todos os meios a seu alcance a
integridade de seu trafego, pareceu á directoria medida de garantia para os
interesses de nossa empreza a acquisição das linhas das Companhias
Descalvadense e S. Rita, que, pela região em que se desenvolvem, confinante com
zonas de outras estradas, não devem continuar a pertencer a emprezas
estranhas." (Relatório Cia Paulista, 26/04/1891, pag 12).
A
compra pela Cia Paulista e a primeira expansão
Assim
o fez após autorização em 1 de março de 1891 dada pela diretoria, ao custo
total de 879:487$677 com escritura lavrada em 16 de junho de 1891.
Desta
forma, a Cia Paulista passou a operar a ferrovia que, aparentemente, foi
entregue ao trafego definitivo neste ano. Algumas melhorias foram feitas, como
a compra de material rodante novo (locomotivas, carros e vagões) e a construção
da estação intermediária de Procópio Carvalho em 01/12/1899.
Nada
significativo em sua extensão foi feito até o ano de 1908, quando José Paulino
Nogueira filho, defendendo os interesses em escoamento de produção de alguns
fazendeiros de Santa Rita, consegue junto a diretoria da CM (detentora da zona
privilegiada) a autorização em escritura pública lavrada no 3º tabelião de
Campinas em 3 de novembro de 1908, para a construção de uma ferrovia ou
prolongamento que partindo de Santa Rita vá as margens do ribeirão bebedouro,
em sua propriedade.
"
Exmo Sr. Presidente da Campanhia Paulista de vias Férreas
Os
abaixo assignados, fazendeiros no Município de SANTA RITA DO PASSA QUATRO,
desejando melhorar as condicções de transporte de seus cafés do bairro em que
estão suas fazendas, cujo trajecto é muito penoso - devido ao grande areião,
pedem à Companhia Paulista encarregar-se do prolongamento do ramal de
Santa Rita,na extensão de 10 kilometros, até o valle do ribeirão Bebedouro -; e
como lhes parece que a zona, que deve percorrer o referido prolongamento,
pertence à Companhia Mogyana, o primeiro assignado pediu e obteve dessa
Companhia a necessaria autorisação para esse prolongamento, como provam os
documentos juntos, fazendo cessão à Comapanhia Paulista da mesma autorisação,
offerecendo mais cessão dos terrenos em que deve atravessar a referida linha
independente de qualquer indemnisação por parte da Companhia Paulista, assim como
cessão gratuita do trecho, não pequeno, já feito para essa parte da mesma
linha.
S. Paulo abril de 1911
(assignados)
José Paulino Nogueira Filho, pp. Francisco Freitas Guimarães, Carlos
Monteiro de Barros, Dr. Hormidio Leite, João Baptista Oliveira Cardoso, Bento
José de Carvalho, João Baptista Pereira de Almeida, José Vargas de Andrade,
Anna de Camargo Oliveira, Lucas A. Monteiro de Barros, Miguel Cabral
Vasconcellos e Adolpho Julio d'Aguiar Melchert." (APESP, caixa 2 Ordem 9431,
protocolo 9, fl 386 Secretaria da Agricultura, setembro de 1911)
Nogueira
repassa esta autorização para a CP através do documento D/922 de 18 de setembro
de 1911 , autorizando a esta empresa a construção deste prolongamento. Neste
ano começaram os estudos do obra, com extensão aproximada de 10 Km partindo da
estação de Santa Rita, até as margens do referido ribeirão do bebedouro,
cruzando as propriedades de Nogueira, de Antônio Zerrener e Dr Hormando Leite.
O estudo previa a linha em condições muito boas, com raios de curva mínimos de
120 metros e rampas máximas de 3%. Em decreto número 2.138 de 13 de
novembro de 1911 obteve a licença de construção e, em decreto número 2.182 de
16 de dezembro de 1911 teve-se a aprovação do projeto, sendo a construção iniciada
logo após. As obras ficaram a cargo das contas da administração da
própria Paulista e sobre administração do engenheiro Antonio Pinheiro Canguçu.
Em
maio de 1912 já estavam assentados parte dos trilhos sendo que, no local da
futura estação de Santa Olivia já haviam sido esticados 120 metros de trilhos
com 2 chaves. O prédio da estação encontrava-se em construção nesta
época. Em 1 de agosto de 1913, todas as obras foram concluídas e o trecho
contemplando duas novas estações, Santa Olívia e Moema (posterior Bento
Carvalho) com 9.540 metros de extensão, em um valor total de 210:934$218.
Para
o reforço na tração dos trens, é nesta época que a CP adquire duas novas
locomotivas, da americana Baldwin Locomotives Works, que vieram a tornar-se as
mais famosas locomotivas da bitola de 60 cm, as belas 910 e 911, do modelo
2-6-2T, de 26 ton de peso. Mais carros de passageiros e vagões de cargas foram
providenciados nessa época também, construídos nas oficinas de Rio Claro,
atendendo a forte demanda que despontava.
Do
ultimo prolongamento ao fechamento
Desde
1923 a demanda crescia no novo prolongamento até Moema, interessando à CP criar
um novo estudo para a florescente área que se despontava além dos trilhos "Além
da estação de Moema, que desde 1913, é ponto terminal do ramal de Santa Rita,
existem muitas fazendas de café e de canna, havendo grande movimento de
importação e exportação..." (APESP, oficio da CP à
Secretaria da Agricultura, janeiro de 1928, folha 1, caixa 16,ordem 9445).
Interessava-se a CP prolongar sua via até as terras da fazenda Córrego Rico,
próximo a seus fornos de fabricação de carvão. Consegue a autorização para tal
prolongamento através do decreto nº 3820 de 12 de março de 1925 para a
construção do referido trecho, com pouco mais de 9kms de extensão. No entanto, com o
começo da construção de um novo engenho de açúcar na margem direita do rio
Mogy-Guassú, denominado Usina Vassununga Ltda, a Paulista mostra
interesse em prolongar sua linha de Moema até o local, servindo a usina. O
pedido é entregue ao secretário, de forma que não houve oposição ao referido,
totalizando a nova extensão em 12040 metros.
Assim
como a primeira expansão, o trecho entra em zona privilegiada da CM, sendo
celebrado um acordo em 10 de abril, comprometendo-se a CP em não retomar os
serviços de navegação fluvial no Mogy (já extintos desde 1903). Celebrado o
acordo, em setembro de 1925 iniciou-se a construção deste novo prolongamento da
linha empreitada pela empresa Prado Uchôa & Cia. Devido a fortes chuvas do
começo do ano de 1926, as obras tiveram certo atraso e não puderam ser
inauguradas na data prevista ficando prontas em fins de 1927, com a
abertura ao tráfego em 21 de maio de 1928, e definitiva autorização para o
tráfego pelo decreto nº 4415 de 30 de abril de 1928, publicado em Diário
Oficial.
A
extensão total de 12 km, com obras ao custo de 857:331$668, mantinha apenas uma
nova estação, denominada Vassununga, situada a frente da usina. Fora construído
um armazém de cargas, a casa para o chefe da estação e mais duas casas para
trabalhadores de linha. Este foi o ponto máximo em que o Ramal de Santa Rita
chegou possuindo 47 km de Extensão e 6 estações.
Este
novo trecho também demandou a compra de mais locomotivas para aumento da
tração. Em 1927 chegam as poderosas alemãs "Linke Hofmann" 2-6-2T,
números 920 e 921. Eram as maiores e mais possantes locomotivas da bitolinha, e
também as ultimas adquiridas pela CP para esta bitola.
O
ramal segue enfrentando todos os tipos de problemas, como a crise do café e o
crash da bolsa. Mesmo com o café em baixa, a região troca sua produção para a
cana-de-açúcar, o que assegurava algum lucro para o pequeno ramal no transporte
de cana, açúcar e álcool. Algumas estações foram fechadas e seus desvios
retirados, ao passo que em junho de 1935 dois tanques para o transporte do
álcool foram construídos nas oficinas de Rio Claro. Mesmo assim, estava cada
dia mais difícil manter as contas do custeio.
Em
27 de dezembro de 1955, o governo federal cria a lei nº 2698, criando um fundo
especial destinado para a construção, pavimentação ou revestimento dos leitos
de estradas de ferro reconhecidamente antieconômicas que fossem suprimidas,
como forma de incentivo a tal ato, de maneira que a ferrovia que assim o
fizesse passasse a utilizar os gastos nas linhas de movimentação intensa. A
partir desta data, a Cia Paulista logo começa os estudos de erradicação de
vários ramais, incluindo o ramal de Santa Rita.
Desta
forma, em 2 de fevereiro de 1960 foi publicado no Diario Oficial do Estado de
São Paulo, à pagina 27 a autorização para supressão do ramal de Santa Rita,
sendo que ficaria mantido o sistema de comunicação telegráfica e o leito
estaria entregue por cessão gratuita ao Departamento de Estadas de Rodagem e
seria criado o serviço rodoviário para a cidade de Santa Rita, com agencia da
Cia Paulista para serviço rodo-ferroviário. A supressão foi realizada em 11 de
março de 1960. O leito nunca chegou a ser utilizado como estrada de rodagem
pavimentada, algumas partes, com a retirada dos trilhos, tornaram-se estradas
de terra dentro do município. No relatório de 1964 da Cia Paulista ainda haviam
descriminados em uso ativo 4 locomotivas e 6 vagões do tipo gondola, que já não
mais figuravam em 1965. Existe a possibilidade (ainda não comprovada) da Usina
Vassununga, pelo período de março de 1960 até 1964 ter mantido o ramal em
atividade por conta de sua safra de cana bancando seus custos de manutenção. No
ano de 1966 já não havia mais nenhum material rodante ativo, ora vendidos ou
sucateados, e a via permanente já havia sido arrancada.
Hoje
em dia, algumas locomotivas sobreviveram depois de serem vendias como sucata
para outras empresas, e aguardam reforma para voltarem a ativa em trens
turísticos em São Paulo. Dos prédios, apenas dois estão em pé. Santa Rita, que
abriga o "Museu Histórico Zequinha de Abreu" e Bento Carvalho, em um
bairro rural do município.
(Leandro
Guidini escreveu - 11/2016)
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