Talvez uma das mais misteriosas ferrovias de fazenda de café seja a
Estrada de Ferro Vila Costina. Esta pequena ferrovia partia da estação
homônima, do Ramal de Mococa da Cia Mogiana (CM), até atingir a localidade hoje do
Município de São Sebastião da Grama, por entre algumas fazendas de café.
A pequena locomotiva do ramal, uma Krauss 0-6-0T de 1913, estacionada próximo a fazenda Vila Costina
Em 1877 José da Costa Machado, um importante político brasileiro do
período do Império, que chegou a ser Presidente da Província de Minas Gerais, compra
grandes glebas de terras na região de São José do Rio Pardo, e funda a “Fazenda
Villa Costina”, local que além da grande produção de café, gerou uma pequena
vila, com escolas, postos médicos e até mesmo cinema. Costa Machado também
encabeça em 1884 a construção de um ramal ferroviário, o Ramal Férreo do Rio
Pardo, ligando a cidade de São José do Rio Pardo aos trilhos da CM na vizinha Casa Branca. Em 1888, a CM compra a ferrovia, e a transforma no
Ramal de Mococa.
Porém, não é esta a ferrovia em questão, e sim outra pequena ferrovia,
que apenas viria a ser construída pelo seu filho, Labieno da Costa Machado,
herdeiro[1]
da Fazenda Villa Costina.
Através de financiamentos conseguidos pela “Companhia Comercial Belga”
(uma espécie de banco, ativo até os dias de hoje), Labieno compra o material para
a construção de uma ferrovia particular, em bitola de 60 centímetros, que
partia da estação de Vila Costina da CM, passava pela sede de sua fazenda
homônima e atingia o - àquela época - o distrito da Grama, em uma extensão de
21 quilômetros, por entre algumas outras fazendas também de sua propriedade. O
Distrito da Grama emancipou-se em 1925 como o Município de São Sebastião da
Grama.
Acima:Labieno da Costa Machado. Abaixo: Um dos poucos documentos encontrados das propriedades de Labieno.
Dos poucos dados precisos sobre esta tão misteriosa ferrovia, sabemos
com certeza que possuía uma única locomotiva a vapor alemã da marca Krauss[2],
tipo 0-6-0T número de série 6756 fabricada em 1913, sete estações ao longo da
via férrea que atendiam ao recolhimento do café e o embarque e desembarque de
eventuais colonos em transito, estações estas que nada mais eram do que
armazéns de carga, com acomodações para funcionários e os eventuais
passageiros. Pelo menos dois prédios ainda estão em pé: “Centro”, que ficava
aproximadamente a 1/3 da extensão da ferrovia e “Costa Machado”, no ponto final
em São Sebastião da Grama. Havia também, pelo menos uma caixa d’água no meio do
caminho, alguns metros depois da estação do Centro, não se sabe se era a única
caixa d’água, mas possivelmente havia outras.
Consideramos a inauguração da totalidade da ferrovia em 1 de fevereiro
de 1916, data em que Labieno envia diversos ofícios para ferrovias, agências,
jornais e até mesmo ao famoso “guia levi”, informando os horários de seus
trens, e locais atendidos. É possível acreditarmos que a ferrovia foi
construída entre 1913 (data da compra dos materiais ferroviários) e 1916,
entretanto, no ano de 1929 já não funcionava mais, como nos diz Ralph
Giesbrecht “Sud Mennucci, em anotações a
lápis em seu próprio livro publicado em agosto de 1929, O vertiginoso
Crescimento de São Paulo, cita que a ferrovia havia sido fechada antes da
edição de seu livro, em 1929”.
Acima: página do Guia Levi de 1917. Abaixo: A estação de Costa Machado, em São Sebastião da Grama, sem os trilhos, na década de 1980.
Não passava de uma ferrovia particular,
com algumas dezenas de vagões de carga para transporte do café, talvez um ou
outro carro de passageiros para o uso dos colonos e dos donos e administradores
das fazendas que, serpenteando as colinas e vales, transportava o café de uma
fazenda a outra, e por fim baldeavam com a CM para a exportação em Santos.
Temos que frisar que Labieno e seu irmão, Jordano, fundaram uma casa comissária
em Santos, que vendia seu café para outra empresa, também fundada por eles em
Milão, a “Costina Coffee Co”. Infelizmente, mais uma vez, nada de muito
detalhado destas empresas foi encontrado.
Denis Esteves nos conta “Com informações consegui chegar à estação do
Centro. O caminho até ela é lindo, uma sequência de pirambeiras morro acima e
morro abaixo, passando por dentro de fazendas. Em uma das fazendas pedi
informação, mas o dono disse que não sabia nada, apenas tinha ouvido falar
desde criança que por ali passava um trem, e me indicou um funcionário mais
antigo. Ele me explicou o caminho e disse que iria passar pela "caixa
d'água do trem". Isso já me animou. Ele falou que desde pequeno ouvia o
pai dele dizer que no tempo do pai dele tinha um trem que passava naquele morro
e parava naquela caixa para pegar água. Depois de uma descida, esparramando uma
boiada que estava na estradinha, cai bem no antigo leito da ferrovia. Um trecho
lindo em curva, com um grande aterro sobre um veio d'água. Depois da curva a
caixa d'água encrustada na encosta do morro, no meio das pedras. Toda feita de
tijolos, inclusive o tanque, e extremamente pequena, a menor que já vi, e
certamente uma das bonitas”.
Cerca de 300 metros à frente (sentido Villa
Costina) estava o Centro, ou "Centrinho", como chamam hoje. É uma
antiga colônia, da fazenda, e hoje é um pequeno sítio. Conversei com o
proprietário que confirmou ser ali o Centro, e que sabia que ali tinha uma
estação, mas nunca viu foto e nem encontrou um prédio parecido com uma estação
ali perto. Ele disse que ali nunca teve terreiro para secagem do café, então
todo café colhido ali era embarcado na ferrovia e levado para a sede da Villa
Costina, aonde ia para o terreiro. Também disse que não chegou a ver os
trilhos, mas que já achou muito cravo de linha arando a terra. Acabei não
fazendo fotos das construções do Centro, pois achei que eram mais novas que a
ferrovia, coisas dos anos 40, mas me enganei. Depois vi uma foto antiga na
Biblioteca de São José do Rio Pardo, e de fato as construções são mesmo
antigas, da época da ferrovia. Nesse equívoco deixei de fotografar o prédio que
muito possivelmente era a estação. Ele é fora do alinhamento das casas, fica na
borda do leito da linha, e é um depósito do sítio.O proprietário disse também que um pouco mais a frente, no
sentido de Villa Costina, tem um arrimo de pedra e vários cortes da linha, mas
não tive como ir até lá por causa do mato.”
Algumas notas do autor: Mesmo após incansáveis pesquisas em todos os veículos de informação possíveis, quase nada foi encontrado, além das informações acima descritas. Fica a duvida das tantas outras possíveis ferrovias particulares que possam ter havido em São Paulo, que nunca chegaram a ser documentadas, e se perderam nas areias do tempo. Fico contente de, pelo menos, conseguir chegar a algumas informações sobre a ferrovia, que tão pouco operou. Labieno e seu pai sem duvidas foram grandes empresários, Infelizmente a documentação existente a respeito de sua história esta inacessível, de modo que as pesquisas continuam. Desta forma, fica aqui registrado o legado desta tão peculiar ferrovia cata-café.
Acima: O prédio da estação em 2010, resistindo ao tempo sem uso ferroviário a mais de 80 anos!, abriga um secador de café. Foto de Vera Helena Bressan
Acima e abaixo: Fotos de janeiro de 2019, de Denis Esteves nas proximidades da estação "Centro", uma parte do antigo leito e a resistente caixa d'água, ambos sem uso ferroviário a, pelo menos 80 anos!
Algumas notas do autor: Mesmo após incansáveis pesquisas em todos os veículos de informação possíveis, quase nada foi encontrado, além das informações acima descritas. Fica a duvida das tantas outras possíveis ferrovias particulares que possam ter havido em São Paulo, que nunca chegaram a ser documentadas, e se perderam nas areias do tempo. Fico contente de, pelo menos, conseguir chegar a algumas informações sobre a ferrovia, que tão pouco operou. Labieno e seu pai sem duvidas foram grandes empresários, Infelizmente a documentação existente a respeito de sua história esta inacessível, de modo que as pesquisas continuam. Desta forma, fica aqui registrado o legado desta tão peculiar ferrovia cata-café.
Leandro Guidini
escreveu em 10/08/2019, revisão e agradecimentos a Denis Esteves
[1] Na verdade
“herdeiro” pode não ser o termo correto, pois ainda não esta claro como ele se
tornou dono da fazenda, se foi por adiantamento de herança, por doação, por
compra, permuta, etc.
[2] Existe
a possibilidade desta locomotiva ser Krauss, porém construída em empreitada
pela Orestain & Koppel.
Parabéns Guidini. Mais uma excelente matéria.
ResponderExcluirNunca pensei que esta ferrovia pudesse ter existido um dia.
Obrigado por compartilhar.
Afonso.
Em São Sebastião da Grama ainda está de pé o prédio da estação ferroviária, embora abandonada e com algumas partes já danificadas
ResponderExcluireu tenho as acoes dessa ferrovia
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